Henrique Emanuel de Oliveira nasceu em Feira de Santana na Bahia e mora em São Bernardo do Campo, São Paulo. Jornalista pela Faculdade Cásper Líbero, atualmente cursa Letras com habilitação em italiano na USP. É coautor, junto de Henrique Artuni, do livro “Sedimento do mundo: uma geografia sentimental” sobre Carlos Drummond de Andrade (no prelo). Está no CLIPE-Poesia da Casa das Rosas.
carta à filha que talvez não venha
te espero, minha filha
sentado em cadeira branca
ao final dos domingos
antes que um caminhão de gás
passe pesado e azul
anunciando nova segunda-feira
antes que os corpos
voltem a batalhar
contra um exército
invisível de seres
e nos trens nos passeios nas avenidas
um sistema de angústias se arme
erigindo, em todos, o eterno desalinho
há quatro meses
o vizinho da frente
abandonou a rua
já não conseguia subir
por conta própria
as escadas do sobrado
das tragédias que um dia
ousei acreditar
a vida foi a maior delas
e por você, menina
tratei cada canto de parede
com mil inseticidas
passei pano molhado
na madeira fria
asfixiando os cupins
sem nunca entender
quantas dores podem calejar
uma cria de Deus
há cinco anos
o baleiro da rua de cima
foi assassinado
três tiros secos
apenas
três tiros secos
talharam seu nome em praça pública:
quadra de futebol parque de diversão
fica um gosto de sangue
na garganta
daqueles que gritam gol
fica um risco de sangue
nas mãos
daqueles que balançam
o domingo carrega
as tristezas
deste tempo breve
crianças deslizam
pipas no ar
bordando a noite
e você, menina, com dedo lambido
estirado ao céu
poderá me contar em qual direção
o vento sopra
Foto de Leopoldo Cavalcante.